lunes, 26 de marzo de 2012

No fim das contas, o que é economia verde? - Terra - Amália Safatle

A economia é vista como o grande sistema, que entende o ambiente como mero provedor de recursos

No fim das contas, o que é economia verde? - Terra - Amália Safatle

Amália Safatle
De São Paulo

"Economia verde" entrou no rol das expressões cada vez mais faladas - mas muito pouco consensuadas - dando margem para que a cada hora surja uma interpretação, conforme a conveniência dos interlocutores.

Sendo economia verde um dos dois grandes temas da Rio+20, a conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável - o outro tema é governança -, buscar um entendimento mínimo sobre o seu significado é um passo elementar para que se possa esperar do encontro algum resultado objetivo.

Vamos começar pela definição que o próprio Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (Pnuma) cunhou:

"Uma economia que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente riscos ambientais e escassez ecológica. Em outras palavras, uma economia verde pode ser considerada de baixa emissão de carbono, é eficiente em seu uso de recursos e socialmente inclusiva".

Temos aí os seguintes elementos: economia de baixo carbono, eficiência energética e nos processos produtivos, e igualdade e inclusão social.

Assim, bastaria lançar mão da tecnologia para descarbonizar e otimizar processos para chegar à tal economia verde, que ganha da ONU o adendo de "inclusiva". Neste mundo mágico, bastaria minimizar riscos ambientais para que a economia consiga incluir socialmente os menos favorecidos ao mesmo tempo em que dribla a escassez ecológica.

Por que "mundo mágico"? Porque não corresponde à realidade possível. Cada ala da sociedade construiu uma ficção na qual se aninha e busca algum conforto - quando na verdade é necessária uma reforma profunda, desconfortável e até dolorosa no sistema econômico, se quisermos de alguma forma buscar a maior duração da vida na Terra, incluindo a espécie humana.

Mas Connie Hedegaard, comissária europeia para a ação pelo clima, chegou a publicar um exclamativo artigo intitulado "Cresçamos todos de maneira sustentável!" (no Estadão). Para começar, o artigo é impreciso: "todos" quem, cara pálida?

Como já desenvolvido nesta coluna, com base nas explicações do professor José Eli da Veiga, da FEA-USP, para que as populações pobres tenham a chance de usar o crescimento para resgatar seu imenso passivo social, é preciso que as ricas abram espaço ecológico, buscando maneiras de prosperar sem crescimento econômico. Só assim haverá alguma chance de a conta única do planeta fechar. Assim, apenas incluir não é suficiente: é preciso diminuir a disparidade global, com os ricos reduzindo o consumo de energia e recursos naturais para que os pobres possam usufruir do aumento desse consumo. Falar de "economia inclusiva" sem atacar de frente o nó das desigualdades é uma das ilusões do tal mundo mágico.

Outra ilusão é a de que os ricos conseguirão abrir esse espaço ecológico apenas por meio da eficiência e dos avanços ecológicos de uma economia de baixo carbono. Desejável e necessária, a eficiência é, no entanto, insuficiente. Como já apontado diversas vezes pelo professor Ricardo Abramovay, também da FEA-USP, apesar dos sucessivos ganhos de eficiência, as emissões estão aumentando. Para se ter ideia, cada unidade do PIB mundial em 2002 foi produzida com 26% menos recursos materiais que em 1980. Mas apesar disso, o consumo absoluto dos recursos cresceu 36% no período.

Aliado ao aumento do PIB mundial, o que se chama de "efeito ricochete" é uma das explicações para esse fenômeno: a poupança obtida com o ganho de eficiência acaba sendo usada em outros tipos de consumo, anulando ou até ultrapassando o que havia sido poupado em termos de recursos. Ou seja, a tecnologia, embora importante, sozinha não é salvadora.

A conclusão disso tudo é o que vem sendo alertado por diversos cientistas e por muito poucos economistas: a economia deve passar a ser administrada como um subsistema do sistema social - uma vez que existe para servir à sociedade e ao bem-estar das pessoas (e não ao contrário, é sempre bom lembrar). E este subsistema social, por sua vez, deve passar a ser visto como subsistema de um sistema maior, que é o ambiente de que fazemos parte.

Economia verde, portanto, seria aquela que existe para servir às necessidades da sociedade, mas desde que caiba nos limites circunscritos pelo sistema natural.

Vejam que nossa forma de organização é justamente a inversa: a economia é vista como o grande sistema, que entende o ambiente como mero provedor de recursos, e a sociedade como mão-de-obra trabalhadora e massa de compradores para fazer girar a roda de produção e consumo, por meio de processos que levam a uma acumulação de bens e um acesso a oportunidades desiguais e injustos.

Não é por menos que vivemos ao mesmo tempo uma crise ambiental, social e econômica de grandes proporções. A Rio+20 é a oportunidade para acabar com essa inversão de valores que resulta em crises, em vez de reforçá-la.

Amália Safatle é jornalista e fundadora daPágina 22, revista mensal sobre sustentabilidade, que tem como proposta interligar os fatos econômicos às questões sociais e ambientais.

Opiniões expressas aqui são de exclusiva responsabilidade do autor e não necessariamente estão de acordo com os parâmetros editoriais de Terra Magazine.